Um olhar que vislumbra o NOVO

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Por Akal Muret

O ente humano, em geral, se acha identificado com os papéis, profissional, familiar, social e religioso. A noção de si mesmo se estrutura nos conteúdos temporais oriundos desses papéis. Quando, por alguma razão, acontece um olhar que percebe fora desses papéis, se revela o vazio existencial seguido muitas vezes de crise. Esse olhar não vislumbra, em um primeiro momento, o ser que ele essencialmente é. Vê apenas a falta de sentido dos papéis que ocupa nas relações, e se depara com a ausência de sentido do seu próprio mundo. 

Essa situação cria um assombro que inquieta, e muitas vezes assusta. Esse susto, quando afeta patologicamente, pode gerar enfermidades como ansiedade, depressão, pânico, diversos tipos de neurose e suas compensações. Pode também estimular uma atividade desenfreada, e muitas vezes até desesperada de busca de sentido para a vida e levar a outras formas de desequilíbrio. 

Uma disfunção muito comum se expressa no esforço para manter, pela rigidez e o conservadorismo, um sentido artificial e até moralista dos valores e costumes que nutriam os papéis nas relações até então. E mesmo não fazendo mais sentido, são cultuados, por não se saber o que pensar e o que fazer. O receio de mudanças reforça o apego ao velho. 

Outro modo de expressão desse mesmo desequilíbrio aparece nas atitudes contestadoras que buscam quebrar regras e convenções, cultuar originalismos e transgressões, mas que no fundo ainda fazem parte da mesma velha estrutura. Ainda é a vigência do esquecimento do ser.

O Yoga convoca a um olhar para fora dos papéis sociais e familiares, com os quais ainda permanece a identificação, mesmo que, como já foi dito, já não façam mais sentido; e convida à iluminação do horizonte onde se vislumbra o ser que se é.

O sentido do Yoga como o vislumbre do ser para além dos papéis, só é possível, no entanto, quando esse olhar já se deu para o vazio desses mesmos papéis. É preciso já ter olhado para fora dos pressupostos vigentes, para saber que eles são insuficientes. Daí surge a crise e com ela o convite para redescoberta de si mesmo. É preciso então a disposição adequada para o ver que aprende o ser em si mesmo e em todas as coisas, e que pode acessar uma nova dimensão de consciência e uma nova maneira de viver. 

O Yoga, para quem viu a insuficiência daquilo que constitui a identidade vigente, é o percurso do desvelamento do ser que se é. É o caminho de plenificação de si mesmo. As práticas do Yoga trabalham a partir e sobre a estrutura energética, corporal e psíquica estabelecida em cada ente humano. Essa estrutura humana carrega em si, o traço do discurso vigente, em forma de valores, crenças, padrões de reação emocional e mental, condição do fluxo energético nos meridianos e chakras, padrões respiratórios, hábitos posturais e condição de tensões musculares e emocionais crônicas, que sustentam e são sustentadas pelo falso ego, o eu temporal. 

O Yoga promove uma intervenção deliberada e precisa sobre essas estruturas, e provoca com isso significativas mudanças que repercutem na visão de mundo e de si mesmo que até então vigorava. Com isso se torna possível um olhar para além do já pensado, e se pode vislumbrar a falência do conhecido na tarefa de dizer o que as coisas são. Esta ação do Yoga, desestabilizando a estrutura da mentalidade vigente, manifesta sua face Shivaísta de destruição do mundo já feito, liberando a possibilidade de recriação de sentido. Essa recriação de sentido ocorre pelo acesso à unidade, a origem instauradora do real, e manifesta a função Brahmânica da criação do mundo. Assim o Yoga aparece em duas forças essenciais: destruição e criação! Morte e renascimento! 

Uma vez instaurada a criação, age a força de preservação, Vishnu! Brahma, Vishnu e Shiva precisam atuar em sincronia perfeita para que a vigência do mundo seja sempre com sentido. A constante criação, preservação e destruição ocorrendo no seu momento apropriado resultam em uma articulação sempre viva do real. O Yoga pode, portanto, abrir ao olhar humano o espaço onde o ser habita e é. Nessa apreensão do ser, o ente humano acessa a dimensão originária de si mesmo, e se torna a própria totalidade da vida. Vive a partir do que é. É autônomo e livre. Realizou, e sempre de novo se põe a caminho da plenificação de si mesmo.

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